Alcançando o Mundo em Família
28/10/2016Há três pressupostos fundamentais, nas Escrituras, sobre a Teologia Bíblica da Vocação e Chamada que devem ser considerados, a priori, em qualquer análise: Primeiro, que as duas expressões, “Vocação” e “Chamada”, são uma só e a mesma coisa.
Ambas provêm do verbo grego kaleo que significa “chamar ou convocar”. Tanto que, neste artigo, ambas são tratadas como uma unidade só. Segundo, que a Bíblia se reporta a duas naturezas diferentes de Vocação e Chamada: A “Vocação e Chamada Geral”, na qual podemos afirmar que todos os crentes são chamados, ou seja, todos os crentes são vocacionados e a “Vocação e Chamada Específica”, na qual Deus escolhe, a dedo, no tempo e no espaço, pessoas especialmente dotadas para trabalhos e ministérios específicos, na igreja e fora dela. Terceiro, a Chamada e Vocação Geral, é feita independentemente dos dons, talentos, habilidades e preferências de cada um. Todos, sejam quais forem os seus dons e capacidades, têm a mesma e única incumbência. Já, a Chamada e Vocação Específica, aquela que acontece no tempo e no espaço, leva em conta os dons e talentos de cada um, bem como suas tendências, suas preferências, e com eles e elas se harmoniza.
A igreja, como agência, por excelência, do reino de Deus, na terra, deve estar atenta a essas duas naturezas de Vocação e Chamada, dando a ambas o mesmo enfoque, com a mesma intensidade, sem jamais privilegiar ou priorizar uma em detrimento da outra. Deus convoca tanto cada crente, membro da igreja, para fazer o trabalho de evangelismo e assistência social, em sua vizinhança (sua Jerusalém), como convoca também crentes devidamente dotados para fazer missões além das fronteiras geográficas, culturais e linguísticas da igreja. A tarefa da igreja é, portanto, mundial, e sua visão deve ser a visão do “Todos”, conforme os textos da Grande Comissão, desde Jerusalém até os confins da terra.
As duas naturezas da Vocação e Chamada de Deus, nas Escrituras, podem ser vistas claramente, sem muito exercício de hermenêutica, tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Se não, vejamos:
A VOCAÇÃO E CHAMADA GERAL, DE ISRAEL, NO VELHO TESTAMENTO
- “Agora, portanto, se ouvirdes atentamente a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade exclusiva dentre todos os povos, porque toda a terra é minha; mas vós sereis para mim reino de sacerdotes e nação santa. Essas são as palavras que falarás aos israelitas.” (Êxodo 19.5,6)
- “Mas agora, assim diz o SENHOR que te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te salvei. Chamei-te pelo teu nome; tu és meu… Porque eu sou o SENHOR, teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador… Visto que és precioso aos meus olhos e digno de honra, e porque eu te amo, darei pessoas por ti e os povos pela tua vida… Não temas, porque eu sou contigo… Vós sois as minhas testemunhas, diz o SENHOR, e o meu servo, a quem escolhi,” (Isaias 43.1-10)
- “Pois, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar. Todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar.” (1Coríntios 10.1,2)
Por essa Chamada e por essa Vocação, toda a nação de Israel, assim como cada israelita, individualmente, participava da aliança que Deus tinha feito com o povo. Por essa aliança, cada judeu tinha a incumbência de testemunhar do Deus vivo e verdadeiro, criador do céu e da terra, às demais nações que os circundavam.
A VOCAÇÃO E CHAMADA ESPECÍFICA, NO VELHO TESTAMENTO
Abraão: “E o SENHOR disse a Abrão: Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E farei de ti uma grande nação, te abençoarei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção.” (Gênesis 12.1,2)
Moisés: “Agora, portanto, vai. Eu te enviarei ao faraó, para que tires do Egito o meu povo, os israelitas. Então Moisés disse a Deus: Quem sou eu para ir ao faraó e tirar os israelitas do Egito? Deus lhe respondeu: Certamente eu serei contigo, e isto será um sinal de que eu te enviei: Quando houveres tirado o meu povo do Egito, prestareis culto a Deus neste monte.” (Êxodo 3.10-12)
Josué: “Depois da morte de Moisés, servo do SENHOR, este falou a Josué, filho de Num, auxiliar de Moisés: Meu servo Moisés está morto; prepara-te agora, atravessa este Jordão, tu e todo este povo, para a terra que estou dando aos israelitas. Ninguém poderá te resistir todos os dias da tua vida. Como estive com Moisés, assim estarei contigo; não te deixarei, nem te desampararei. Esforça-te e sê corajoso, porque farás este povo herdar a terra que jurei dar a seus pais.” (Josué 1.1-2, 5-6)
Gideão: (Juízes 6.11-16) “Então o anjo do SENHOR veio e sentou-se sob o carvalho que estava em Ofra, que pertencia ao abiezrita Joás; seu filho Gideão estava malhando trigo no tanque de espremer uvas, para escondê-lo dos midianitas” (v.11). “Então o anjo do SENHOR apareceu a Gideão e disse: O SENHOR está contigo, homem valente.” (v.12). “O SENHOR virou-se para ele e lhe disse: Vai nesta tua força e livra Israel das mãos dos midianitas. Não sou eu que estou te enviando?” (v.14)
Samuel: “E Eli disse a Samuel: Vai deitar-te, e se ele te chamar, diz: Fala, SENHOR, pois o teu servo ouve. Samuel foi e deitou-se no seu lugar. Depois disso, o SENHOR voltou, permaneceu ali e chamou como das outras vezes: Samuel! Samuel! Então ele respondeu: Fala, porque o teu servo ouve.” (1Samuel 3.9,10)
Davi: “Jessé mandou buscá-lo e o apresentou a Samuel. Ele era ruivo, de belos olhos e de boa aparência. Então o SENHOR disse: Levanta-te e unge-o, porque é este mesmo (grifo meu). Então Samuel pegou o vaso de azeite e o ungiu diante de seus irmãos; e, daquele dia em diante, o Espírito do SENHOR se apoderou de Davi. Depois, Samuel se levantou e foi para Ramá.” (1Samuel 16.12,13)
Isaías: “Depois disso, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei? Quem irá por nós? Eu disse: Aqui estou eu, envia-me.” (Isaías 6.8)
Jeremias: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que nascesses te consagrei e te designei como profeta às nações. Então eu disse: Ah, SENHOR Deus! Eu não sei falar, pois sou apenas um menino. Mas o SENHOR me respondeu: Não digas: Sou apenas um menino; porque irás a todos a quem eu te enviar e falarás tudo quanto eu te ordenar”. (Jeremias 1.5-7)
Daniel, Hananias, Misael e Azarias: “ Então o rei disse a Aspenaz, chefe dos seus oficiais, que trouxesse alguns dos israelitas da família real e dos nobres, jovens sem defeito algum, de boa aparência, dotados de sabedoria, inteligência e instrução, e com capacidade para servir no palácio do rei; e disse-lhe que lhes ensinasse a cultura e a língua dos babilônios. Entre eles se achavam alguns vindos de Judá: Daniel, Hananias, Misael e Azarias. O chefe dos oficiais lhes deu outros nomes: a Daniel, o de Beltessazar; a Hananias, o de Sadraque; a Misael, o de Mesaque; e a Azarias, o de
Abednego”. (Daniel 1.3-4, 6-7)
Amós: “Amós respondeu a Amazias: Eu não sou profeta, nem seguidor de profeta, mas criador de gado e cultivador de sicômoros. Mas o SENHOR me tirou da criação de gado! O SENHOR me disse: Vai, profetiza ao meu povo Israel.” (Amós 7.14,15
Outros: como os profetas menores, por exemplo.
A VOCAÇÃO E CHAMADA GERAL DA IGREJA NO NOVO TESTAMENTO
- “Mas vós sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.” (1Pedro 2.9)
- “Ele nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não por causa das nossas obras, mas devido ao seu propósito e à graça que nos foi concedida em Cristo Jesus antes dos tempos eternos”. (2Timóteo 1.9)
- “Vós sois o sal da terra; mas se o sal perder suas qualidades, como restaurá-lo? Para nada mais presta, senão para ser jogado fora e pisado pelos homens.” (Mateus 5.13)
- Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte. (Mateus 5.14)
Por essa Vocação e Chamada Geral, não somente a igreja como um todo, mas cada crente em particular, está devidamente chamado e convocado para dar o testemunho de Cristo, ser o sal da terra e a luz do mundo, e servir ao Senhor segundo os seus dons, onde estiver e para onde for.
A VOCAÇÃO E CHAMADA ESPECÍFICA NO NOVO TESTAMENTO
Pedro, André, Tiago e João: “Andando às margens do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Eles estavam lançando as redes ao mar, pois eram pescadores. E disse-lhes: Vinde a mim, e eu vos farei pescadores de homens. Imediatamente, eles deixaram as redes e o seguiram.
Passando mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Ambos estavam num barco com seu pai Zebedeu, consertando as redes. E Jesus os chamou. Imediatamente, deixando o barco e seu pai, seguiram-no.” (Mateus 4.18-22)
Levi (também chamado Mateus) “Quando ia passando, viu Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe: Segue-me. E, levantando-se, Levi, o seguiu.” (Marcos 2.14)
Os doze: “ Depois Jesus subiu a um monte e chamou os que ele mesmo quis (grifo meu); e estes foram até ele. Então designou doze para que estivessem com ele, e os enviasse a pregar, e para que tivessem autoridade para expulsar demônios. Estes são os doze que ele designou: Simão, a quem deu o nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, aos quais deu o nome de Boanerges, que significa filhos do trovão; André; Filipe; Bartolomeu; Mateus; Tomé; Tiago, filho de Alfeu; Tadeu; Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, que o traiu.” (Marcos 3.13-19)
Paulo: “Quando Deus, porém, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça, se agradou em revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, não consultei ninguém. (Gálatas 1.15,16). “Ele me disse: Vai, porque eu te enviarei para longe, aos gentios.” (Atos
22.21)
Paulo e Barnabé: “Na igreja em Antioquia havia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, que havia crescido com o governante Herodes, e Saulo. Enquanto cultuavam o Senhor e jejuavam, o Espírito Santo disse: Separai-me Barnabé e Saulo para a obra para a qual os tenho chamado. Então, depois de jejuar, oraram e lhes impuseram as mãos; e deixaram que partissem.” (Atos 13.1-3)
Timóteo: “Dirijo essa orientação a ti, meu filho Timóteo, levando em consideração o que as profecias anunciaram a teu respeito; com base nelas, trava o bom combate” (1Tomóteio 1.18) “Não deixes de desenvolver o dom que há em ti, que te foi dado por profecia, com a imposição das mãos dos presbíteros” (1Timóteo 4.14)
Judas (chamado Barsabás) e Silas: “Então pareceu bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a igreja, escolher homens dentre eles e enviá-los a Antioquia com Paulo e Barnabé. Foram escolhidos Judas, chamado Barsabás, e Silas, homens influentes entre os irmãos.” (Atos 15.22)
Outros: Como Epafrodito, Erasto, Silvano, Filemon e demais companheiros de Paulo.
VOCAÇÃO E CHAMADA E SUA RELAÇÃO COM OS DONS ESPIRITUAIS
Na Vocação Geral, como já dissemos, todos os crentes estão incumbidos e comprometidos com o testemunho de Cristo, independentemente dos dons espirituais que tenham recebido do Espírito Santo. Já, na Vocação Específica, há uma harmonia entre o chamado de Deus e os dons espirituais recebidos pela pessoa chamada. Quando a Bíblia preconiza que todos os crentes são vocacionados, ela o faz na base dos dons espirituais que cada um recebe, dons, esses, correspondentes com os ministérios que irão exercer.
Essa correspondência entre dom e chamada pode ser constatada facilmente nos exemplos das chamadas específicas já demonstradas, tanto no Velho como no Novo Testamento. Deus não chama pessoas para determinados ministérios sem que elas tenham os dons correspondentes para exercê-los, nem mesmo sem que elas tenham talentos, aptidões, tendências e até mesmo preferências e “jeito” por tal ministério.
Por isso, convocações de caráter muito geral e envio aleatório de pessoas para campos missionários, do tipo “f altam cinco pessoas para compor o grupo que vai para o país tal” sem se levar em conta os dons dos convocados, são convocações temerárias. Elas podem trazer problemas tanto para os campos missionários para onde cada elemento vai, como para o próprio elemento, com o perigo de desencorajá-lo mais do que incentivá-lo.
Estamos vivendo uma época em que convocações de missionários temporários e voluntários em missões tornaram-se muito comuns. Igrejas têm enviado grupos e até caravanas para campos missionários, esperando que lá todos façam missões. A iniciativa não é má, em si. Mas, corre-se sempre o risco de enviar gente que nunca teve um chamado específico e nem tem os dons necessários para os trabalhos a que está se propondo.
Convocação missionária é coisa séria e não pode ser feita na base de impactos, sensacionalismo e emoções, e os alvos dos convocados devem ser bem definidos. Sem exagero, é possível até que alguns aproveitem a ocasião para fazer turismo, especialmente se o campo missionário proposto for algo exótico ou se for mesmo um ponto turístico. Tive oportunidade de verificar isso no meu próprio campo missionário entre os índios Xerente, no Tocantins, o que, obviamente, não é o caso de narrar aqui. Tenho ouvido, entretanto, mais do que uma vez, testemunho de gente que esteve em campo missionário e demonstrou, em palavras e gestos, o quanto estava alheia à realidade do que estava fazendo. Certa vez ouvi o testemunho de um jovem que serviu por um tempo como voluntário num desses conhecidos trabalhos com dependentes químicos. Quando ele chegou à parte da história onde tinha até que “dar banho” em alguns dos dependentes químicos, ele deixou transparecer, no rosto e em suas palavras, a sua “repugnância” pelo trabalho que havia feito. Uma grande pena, pois seria exatamente num serviço como esse que uma pessoa dotada para a função, demonstraria seu amor, seu carinho, sua compaixão pelo dependente químico, levando-o a entender o amor de Cristo e ter sua vida por ele transformada.
É bom que a igreja envolva toda a sua membresia no trabalho de evangelização e missões, mas deve-se tomar o cuidado de não se introduzir pessoas em campos missionários e em outros trabalhos, fora de seus dons espirituais e de sua proficiência.
UMA VEZ QUE TODOS SÃO CHAMADOS E CONVOCADOS, PODEMOS DIZER QUE TODOS SÃO MISSIONÁRIOS?
Ora, ninguém pode dizer “sim” ou “não” com absoluta segurança hermenêutica, já que as palavras “missão” e “missionário” não se encontram na Bíblia, no Novo Testamento Grego. Aparece, sim, a palavra “missão” em dois versículos da Bíblia, em algumas versões em Português. Em Atos 12.25, por exemplo, quando Barnabé e Saulo voltam de Jerusalém para Antioquia, a Bíblia Sagrada Almeida Século 21 diz: “E, havendo concluído sua missão (grifo meu), Barnabé e Saulo voltaram de Jerusalém, levando consigo João, também chamado Marcos”. Mas ali, a palavra “missão” é a tradução da palavra diaconia, do grego, de onde vem nossa palavra “diácono” que significa “serviço”. Esta passagem não indica, portanto, que a palavra “missão” esteja no Novo Testamento.
O outro texto onde a palavra “missão” aparece é 1Timóteo 2.15, falando da missão de mãe ao dar à luz filhos. Ali algumas versões dizem: “cumprindo a sua missão de mãe” e outras dizem: “dando a luz filhos”. O texto grego traz a palavra teknogonias (junção das palavras teknon filho’ + gonias, que vem de gune ‘mulher’). Assim, este também não serve para a nossa análise. O que nos resta, então? Resta fazer uma análise da palavra “missão” a partir do Latim, pois foi depois que a Bíblia foi traduzida para essa língua que o costume de chamar os “enviados” de missionários, começou a ser usado e se internacionalizou.
No Latim, a palavra “missão” é missio e “missionário” vem de mittere, que significa “enviar”. Ora, a palavra “enviar”, é muito comum no Novo Testamento Grego, já que ali ela é expressa pela palavra apostello, muito conhecida nossa, de onde vem a palavra “apóstolo” que significa justamente “enviar”. Assim, podemos dizer, com segurança, que, se a palavra “missionário” não se encontra na Bíblia, o seu significado permeia toda a Escritura, do Gênesis ao Apocalipse. É por isso que a maioria dos estudiosos dos dons espirituais colocam a palavra “missionário” como um dom (ou uma função) e a associa à palavra apóstolo, para se referir a pessoas que recebem o dom e a chamada de Deus para iniciar o trabalho em campos ou em situações pioneiras, seja nas circunvizinhanças da igreja, seja em campos distantes, seja em qualquer outro lugar no reino de Deus.
Buscando ainda o sentido das palavras “missão” e “missionário”, vejamos como o Dicionário Aurélio as define:
Missão: “Função ou poder que se confere a alguém para fazer algo; encargo, incumbência. 2. Função especial da qual um governo encarrega diplomata (s) ou agente (s) junto a outro país; comissão diplomática. 3. O conjunto das pessoas que receberam um encargo religioso, científico, etc. 4. Ofício, ministério. 5. Obrigação, compromisso, dever a cumprir. 6. Prédica ou sermão doutrinal. 7. estabelecimento, instituição ou instalação de missionários para pregação da fé cristã. 8. Os missionários”
Missionário: “Aquele que missiona; pregador de missões. 2. Propagandista, defensor, propugnador. 3. Relativo ou pertencente às missões.
Vamos tentar aclarar um pouco mais a ideia, falando de missionário no sentido “Geral” e “Específico”, como vimos fazendo até aqui com o assunto da vocação. Vamos dizer que num sentido geral, todos os crentes são missionários porque todos têm uma missão a cumprir, seja em campos missionários, seja no contexto de suas igrejas, seja em suas profissões seculares. Mas, no sentido específico, em que alguém deixa sua cidade, seu estado, seu país, ou deixa sua profissão, seu ganha-pão, para servir a Deus em outro lugar ou numa outra situação, de forma definida, esse alguém é missionário. Os demais que continuam exatamente onde estão, fazendo o que sempre fizeram, continuam sendo chamados e vocacionados, sim, no sentido geral, comprometidos que são com o seu testemunho cristão, mas não é próprio chamá-los necessariamente de missionários.
Vamos dar alguns exemplos: Imaginemos três moças, todas elas com a profissão de professora em escolas públicas, todas com aptidão para trabalhar com crianças e todas da mesma igreja. Vamos dizer que uma delas decida trabalhar com as crianças da igreja nos horários convencionais, e faça isso sempre, com muito amor e carinho e com muita dedicação, mantendo, contudo, sem alteração, sua função de professora pública, seu estilo de vida, etc. etc. Essa irmã estará certamente cumprindo a sua vocação geral, usando o seu dom no contexto da igreja e é, indubitavelmente, uma obreira do Senhor.
Mas, não seria próprio chamá-la de missionária, necessariamente, não obstante à sua dedicação ao que faz.
A outra, entretanto, percebe logo os problemas enfrentados pelas crianças nas varias escolas públicas da cidade e decide formar uma associação para ajudar essas crianças. Vê que o trabalho irá exigir seu tempo integral, de modo que se demite da sua função de professora pública para se dedicar exclusivamente à associação. Incontinente, sua igreja decide adotá-la, dando a ela um sustento correspondente ao seu salário de professora pública (que, por sinal, aqui entre nós, não seria muita coisa…). Essa irmã não pode ser considerada simplesmente como uma pessoa crente que usa os seus dons e talentos no contexto de sua igreja. É evidente que ela está fazendo e iniciando muitas coisas novas: Primeiro, ela está iniciando um novo movimento fora das fronteiras de sua igreja, está colocando novos fundamentos na Educação, em termos de Comunidade, em termos de Município, e está sendo uma pioneira naquela iniciativa cristã. Segundo, ela passa a ser uma espécie de embaixatriz de sua igreja, na comunidade. Esta é uma missionária em todos os sentidos da palavra.
A terceira tem a sua classificação mais fácil ainda de se definir, porque irá receber o chamado de Deus para trabalhar com crianças num Lar de Crianças no interior do Brasil, a qual será também, certamente, adotada pela igreja.
Outro exemplo: A igreja tem um missionário que trabalha num certo país, fora do Brasil. De vez em quando ela manda uma equipe formada pelos membros da igreja para colaborarem, de alguma maneira, no trabalho do missionário. Ficam lá uma semana, duas, um mês, e depois voltam, cada um para o seu lugar e para a sua função anterior. Daí, eles passam a chamar todos os membros da equipe de “nossos missionários” e passam a dizer que a igreja está fazendo missões, através deles. Bem, que eles estiveram num campo missionário por um tempo e deram cada um a sua colaboração, de alguma maneira, é verdade; que eles viram e experimentaram as coisas que existem por lá, também é verdade; que eles fizeram seu papel de crentes dedicados, não há dúvida, mas chamá-los de missionários, não seria apropriado.
Alguns de meus filhos (tenho sete) tiveram a oportunidade de exercer ministério na aldeia onde trabalho: Alberto ensinou violão, Sílvia ensinou flauta doce, Daniel e sua esposa Monique deram o curso “Casados Para Sempre” e Suely, com seu esposo Tércio, ministraram várias palestras para casais. Mas nenhum deles sequer pensou, de si mesmo, que fosse um missionário.
Outro exemplo ainda: A igreja tem um grupo que gosta de fazer trabalhos sociais. Eles visitam Lares de Crianças, em sua própria cidade, distribuem brinquedos e usam da oportunidade para pregarem o evangelho para as crianças. Eles fazem isso com muito amor e carinho e com muita dedicação, é claro. Você acha que eles estão apenas cumprindo sua vocação e chamada geral, estão apenas usando os seus dons e talentos no contexto da igreja para abençoar as pessoas da comunidade, com seu trabalho social, ou você acha que eles podem também ser chamados de missionários? Deixo com você a resposta…
Continuando com essa ideia, a gente até poderia dizer que chamar todos os crentes de missionário, esteja certo ou errado, isso não faria mal a ninguém. Sim, mas seria muita ingenuidade pensar assim… Veja no próximo tópico o que a concepção “todos são missionários” pode causar.
NOVAS TENDÊNCIAS DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICO/MISSIONÁRIA E SUAS AÇÕES EVANGELÍSTICAS
Tenho ouvido, tanto quanto tenho lido e constatado, que há uma nova tendência de interpretação bíblico/missionária em cena, surgida nessas últimas décadas. Essa nova tendência está se alastrando e se enraizando, aceleradamente, nas práticas de muitas de nossas igrejas e até mesmo nas práticas de algumas agências missionárias. Ela representa uma nova concepção de missões que tende a diminuir o valor e a necessidade do missionário de carreira, tende a diminuir o valor e a necessidade de um preparo missionário adequado, tende a eliminar a realidade das chamadas específicas, no tempo e no espaço, tende a restringir a responsabilidade da igreja unicamente à comunidade onde ela se encontra inserida e tende ainda a determinar preferências, nos alvos da evangelização, a certos seguimentos da sociedade. Sua atuação se concentra mais nos problemas urbanos, com muito pouca ou nenhuma visão e entendimento do trabalho transcultural da igreja.
Essa nova tendência missionária, para a qual já existe uma boa quantidade de literatura, ensino, pregação, etc. tem apresentado várias configurações e interpretações bíblicas diferenciadas. Algumas delas eu ouvi pessoalmente e, sobre outras, eu li. Vou mencionar algumas, porém, sem citar as fontes das quais eu li, para não melindrar ninguém. Mas é fácil ver como todas essas novas tendências vêm da falta de um entendimento mais correto da verdadeira teologia bíblica da vocação e chamada:
1. Chamada missionária específica, não existe: Há os que dizem, hoje, que chamada missionária específica não existe, porque todos os crentes são chamados, porque todos os crentes são missionários. Eles dizem também que trabalho missionário não deve ser feito por uma “minoria” (referindo-se aos missionários de carreira de modo um tanto pejorativo), mas que o trabalho missionário deve ser feito pela igreja como um todo. Afirmam ainda que somente no primeiro século missões foi praticada de modo correto e que depois (referindo-se aos dois mil anos da História de Missões) a prática foi desvirtuada, porque não foi feita pela igreja, mas por agências missionárias, por movimentos missionários e por missionários de carreira, a quem chamam de “intenção de uma minoria”, afirmando, no fim, que esse movimento foi “desastroso”… Li isso numa apostila de Teologia Bíblica de Missões, de um curso que foi dado em Seminário formador de bacharéis em Teologia. A apostila, por sua vez, citava a fonte da informação. Tratava-se de um escritor credenciado e de uma editora de renome.
2. Vocação missionária não difere de vocação profissional: Alguns afirmam que vocação missionária não difere de qualquer vocação profissional (médico, engenheiro, advogado, etc.) nem mesmo difere da vocação (ou missão) de uma mãe ao dar à luz filhos e educá-los. Ora, se isso fosse verdade, o que teria sido da revelação bíblica se Abraão tivesse optado pela sua antiga profissão de criador de gado e tivesse ficado na Mesopotâmia? E se o mesmo tivesse acontecido com Moisés, Davi, Amós e outros da antiga aliança, culminando com Pedro, André, Tiago e João, nos Evangelhos, e Paulo, em Atos, todos eles preferindo continuar na profissão que exerciam antes? No meu caso, igualmente, que teria sido de boa parte do trabalho Xerente se eu tivesse optado por ficar em São Paulo continuando a exercer a minha antiga profissão de balconista de calçados e de aluno de violão clássico? É claro que todas as profissões são honrosas e qualquer profissional pode servir a Deus em sua profissão e cumprir, assim, a sua vocação de ser uma testemunha de Jesus Cristo. Mas dizer que chamada missionária (ou pastoral ou outras) é a mesma coisa que a escolha de uma profissão, não é nem bíblico nem coerente com a realidade. O difícil para eu entender isso foi que essa interpretação de missões eu li num livro escrito igualmente por um autor credenciado e publicado também por uma editora de renome.Para citar um exemplo concreto, ano passado fui assistir à uma cerimônia de lançamento de um livro. Um livro muito bem escrito, por sinal, sobre o evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. O escritor é um odontólogo, membro atuante em sua igreja e apaixonado pela pregação do evangelho. Ele costuma fazer estágios em aldeias indígenas, de quando em quando, juntamente com sua esposa que é enfermeira, abençoando os índios com suas profissões. Comprei oito livros dele. Um pra mim e sete para os sete líderes da igreja Xerente da aldeia onde trabalho. Em agosto, do ano passado, eles estiveram lá na aldeia fazendo tratamento dentário, que é uma das grandes necessidades dos Xerente. Quando chegaram à aldeia, já eram conhecidos da liderança da igreja através do livro, o qual todos já tinham lido e gostado. Eles foram calorosamente recebidos pelos índios, que pediram para eles voltarem para continuar o tratamento. Mas eles nem pensam, sequer,
em fazer qualquer comparação entre a vocação deles e a nossa. Eis aí duas vocações bem diferentes, em termos de função, mas, diante de Deus, duas vocações exatamente iguais, diria eu, em termos de qualidade.
3. O envio de missionários está caindo em desuso: Ouvi, de fonte fidedigna, que certo pastor de uma grande igreja no Brasil, disse a um vocacionado de sua igreja que desejava partir para um campo missionário, que sua igreja não enviava missionários. Que sua igreja fazia missões como um todo. Disse ainda que se ele quisesse, ele poderia se mudar para o lugar no qual estava pensando, exercer sua profissão lá, dar o seu testemunho, ganhar convertidos, etc. e, quando chegasse a hora de se construir templos, etc. então a igreja iria fazer a sua parte. Mas, enviar e sustentar missionários, era coisa que sua igreja não fazia…
4. Convocar missionário de carreira também está caindo em desuso: Ouvi, também de fonte fidedigna, que certo líder de Missões disse, em uma de suas apresentações, numa grande igreja, que não convocava mais missionários permanentes, porque missionários permanentes, segundo ele, não existem mais. Ele só convocava missionários temporários e voluntários em missões.
5. A restrição geográfica da Grande Comissão: Há certos modelos de igreja que focalizam, de modo exagerado, sua responsabilidade missionária para com a comunidade onde está inserida (sua Jerusalém). Ora, isso não é mal, em si, mas o exagero pode levar a igreja a perder a visão do “todo”, como Jesus colocou na Grande Comissão: “todo o mundo ”, “toda criatura” e “todas as nações” e como lemos em Atos 1.8: “Jerusalém ”, “toda a Judéia” e “confins da terra”. Li, certa vez, no site de uma grande igreja, lá no link onde eles colocam o título “nossa visão” a expressão: “Nossa Comunidade”. Ora, a comunidade é muito importante, mas a visão deve ser mundial. Essas igrejas que deixam missões distantes de fora, costumam dar a categoria de “Missões” a todo trabalho que fazem em sua Jerusalém. Trabalhos que outrora eram feitos sob a égide do evangelismo, por exemplo, e os que eram feitos sob a égide da assistência social, passam a ser feitos sob a égide de “Missões”. Isso dá a impressão de que a igreja é uma igreja missionária, com um movimento missionário muito grande, mas, o resto do mundo, é esquecido… Esse procedimento missionário é muito diferente do que diz, por exemplo, Ralph Winter:
“Evangelismo é a prática da evangelização feita dentro do âmbito geográfico e cultural da igreja. Missões é a prática da evangelização feita além das fronteiras da igreja, onde ela cruza barreiras geográficas, culturais e às vezes linguísticas”. (Missões Transculturais – Uma Perspectiva Histórica, pp. 357-398)
Na ordem de Jesus não há primazia em termos geográficos. Jerusalém e os confins da terra devem ser alcançados simultaneamente. O mesmo Jesus que disse ao endemoninhado gadareno: “… Vai para casa, para a tua família, e anuncia-lhes quanto o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de tf (Marcos 5.19), disse a Paulo: “ … Vai, porque eu te enviarei para longe, aos gentios.” (Atos
22.21).
6. A restrição ideológica da Grande Comissão: Alguns não estão restringindo a Grande Comissão em termos geográficos, necessariamente, mas estão restringindo-a em termos ideológicos. Há igrejas e movimentos missionários que estão estabelecendo preferências quanto ao tipo de pessoas a serem alcançadas pelo evangelho. Ultimamente tenho consultado vários sites de igrejas, procurando neles a visão missionária de cada uma. Tenho descoberto que a maioria dos sites de igreja nada trazem sobre missões. Outros falam de missões, porém, com apenas alguns projetos restritamente selecionados, bem ao gosto da liderança da igreja. São poucas as igrejas que apresentam, em seu site, um Conselho Missionário e alistam, ali, os missionários adotados pela igreja. Vi apenas um (talvez haja outros) que apresentava seu Conselho Missionário, alistava todos os missionários adotados pela igreja e ainda postava as últimas cartas de notícia de cada missionário. Num determinado site, porém, lendo o link sobre “nossa missão”, percebi que os dois primeiros pontos estavam muito bem colocados. Mas o último dizia: “dandopreferência aos que estão em situação de risco’”. Ora, a visão daqueles que estão em situação de risco, neste mundo, não obstante ser necessária, se for exagerada e, especialmente, se for exclusiva, tirará da igreja a visão do “todos” e a igreja deixará as demais pessoas do mundo fora do projeto missionário de Deus. Neste caso, onde ficam as pessoas sadias, as que estão em situação segura neste mundo, as pessoas mais abastadas, pessoas da classe média/alta, pessoas de bem, enfim. Elas também não estão incluídas no projeto missionário de Deus? A Grande Comissão não é para “toda criatura”, conforme (Marcos 16.15)?
Mais um exemplo: Certo pastor, questionado sobre a evangelização dos índios, respondeu a seu inquiridor: – Ah, os indígenas estão bem. Eles têm muita terra pra plantar, tem todo apoio do Governo, das ONGs, etc. Eu prefiro ir atrás dos flagelados, disse… Isso, como se os indígenas não estivessem inseridos no contexto da Grande Comissão – “panta ta ethne” – ‘todas as etnias’. (Mateus 28.19). Ora, um indivíduo, visto que ele não pode ir, pessoalmente, pelo mundo todo e em direção a todas as pessoas, ele tem que fazer opções quanto ao seu ministério. No meu caso, por exemplo, eu optei pelos indígenas, deixando os demais nas mãos de Deus. Mas, uma igreja, como agência, por excelência, do reino de Deus, na terra, não pode fazer opções ou determinar preferências. Sua visão deve ser a visão do mundo todo, de todas as pessoas, de todas as nações.
7. A teologia da Missão Integral com ênfase exclusiva nos pobres: Ora, que Missão Integral é a missão bíblica, e que é a única que espelha a “Missio Dei”, não há a menor dúvida. Mas o evangelho integral é para todos, não somente para os pobres. Muitos, com a exagerada preferência para os pobres, estão como que criando uma nova Teologia da Libertação. Certa vez eu estava fazendo uma palestra sobre esse assunto para um grupo de alunos de missões indígenas e perguntei se eles achavam que eu estava exagerando. Imediatamente, levantou-se uma veterana missionária aos índios e contou que certa igreja que a adotava por muito tempo, suspendera a adoção porque foi desafiada, depois de um determinado seminário, a transferir a quantia que ela recebia, mensalmente, para a compra de cestas básicas para os pobres…
O enfoque hoje sobre evangelização de pobres, flagelados e aqueles que estão, como dizem, em situação de risco, é grande e quase que exclusiva. Quando se lê, no dia de hoje, periódicos missionários e se ouve de igrejas e entidades que estão fazendo missões, é quase certo que a maioria está fazendo missões entre as classes menos privilegiadas.
Missões para as pessoas de bem, para os bons cidadãos, para os mais abastados, para aqueles que lotam nossos melhores restaurantes nos fins de semana, aqueles que enchem nossos lagos e litorais com seus barcos, iates e jet ski, missões para profissionais, artistas de rádio e televisão, desportistas, etc. está caindo em desuso. Até mesmo certas organizações que outrora exerciam papel preponderante no alcance dessas pessoas, estão hoje em declínio. Jesus não agiu assim. O mesmo Jesus que disse: “ O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar boas novas aos pobres… (Lucas 4.18a), gastou também o tempo necessário com um homem rico, Nicodemos, para colocar os pés dele para dentro do reino de Deus. (João 3.1-21). O que Jesus nos ensina com isso? Ensina que todo aquele que tem seus pés fora do reino de Deus, seja pobre ou rico, “está em situação de risco”…
Não queria entrar muito nesse assunto, mas preciso dizer que alguns estão equivocados sobre o sentido de Missão Integral. Acham que Missão Integral é missão para pobres. Puro engano! A Missio Dei é integral da primeira à última página das Escrituras. E isso para todas as pessoas, em todos os lugares e em todas as situações, independente de raça, cor, status social ou poder aquisitivo. As Escrituras jamais ofereceram para alguém, um evangelho dicotomizado. É claro que Missão integral inclui os pobres, mas não preferencialmente e muito menos exclusivamente. Missão Integral é como bem colocou Valdir Steuenager:
“O evangelho falava de mim e do outro, especialmente do pequeno e do pobre. O evangelho falava do corpo, da alma e do espírito. Ele falava da pessoa e dos sistemas e estruturas onde elas vivem. Falava do passado e do presente e apontava para o futuro de Deus. O evangelho mostrava um Jesus que anunciava e vivia o reino de Deus, e me convidava a segui-lo nas sendas da esperança desse reino.” (A Missão Integral nem é tão integral assim!), ultimatoonline [ultimato@ultimato.com.br], edição de 25/05/2014).
Missão Integral, ou MI, como a trata Steuenager, inclui os pobres, sim, mas inclui muito mais do que isso. Tem a ver com a estrutura de sociedade em que as pessoas vivem, sejam elas pobres ou ricas. Tem a ver com a história, a cultura e as tradições das pessoas. Tem a ver com corpo, alma e espírito e tem a ver, em ultima análise, com a visão do reino de Deus e não com visões particulares.
Em Xerente, por exemplo, não existe palavra para pobre e rico. O colega que fez a tradução do Novo Testamento para a língua Xerente, Pr. Guenther Carlos Krieger, teve que “fabricar” juntamente com sua equipe de tradutores nativos, expressões descritivas na língua indígena para essas duas palavras: Pobre, ficou: rom kõ tdêkwa ‘aquele que não é dono de nada, e rico, ficou: rom zawre tdêkwa ‘aquele que é dono de muitas coisas’. Mas a sociedade Xerente é igualitária e sua estrutura é essencialmente integrada. Lá não se faz as tradicionais dicotomias que fazemos por aqui, como material versus espiritual, religioso versus profano, animado versus inanimado, corpo versus alma, e assim por diante. Em Xerente, a palavra para alma ‘dahêmba’ é usada também para corpo. Quando se quer fazer a diferença entre uma coisa e outra, tem-se que fazer uma “ginástica” linguística muito grande…
Assim, o único evangelho que serve para o Xerente é o evangelho integral. Menos que isso, não teria sido aceito, como foi, mesmo que lá não se fala de pobres e ricos. Certos estavam, pois, os organizadores do I Congresso de Evangelização Mundial, de Lausanne, Suíça, 1974, ao colocarem como tema do Congresso, o slogan: “O evangelho todo, para o homem todo no mundo todo”.
Agora, se estamos falando de “Responsabilidade Social da Igreja”, isso é outro assunto. A preocupação e a responsabilidade social com os pobres, viúvas e outros, é um mandamento bíblico tanto no Velho Testamento como no Novo. Todo esforço que a igreja fizer para aliviar as dores daqueles que não somente carecem da mensagem da vida eterna, mas vivem miseravelmente neste mundo, sem as regalias dos demais, é pouco. Mas, priorizá-los, em detrimento dos demais, negando a esses as chaves que abrem as portas do reino de Deus, não é fazer missões, segundo a Bíblia. Aprendi, na minha experiência com os Xerente que “Missão Integral” é uma coisa e “Responsabilidade Social da Igreja” é outra. Assim, desafio aqui os teólogos para elaborarem estudos mais aprofundados sobre o assunto…
8. Ações missionárias inspiradas em programas humanitários: Por fim, parece que muitos estão apenas imitando os movimentos de assistência social levados a efeito pelas emissoras de rádio e televisão, pelos empresários, desportistas e especialmente pela Rede Globo, movimentos esses muito bem divulgados pela mídia. Muitos dos trabalhos sociais de certas igrejas e movimentos missionários não diferem muito do que essas instituições vêm fazendo. Essa prática seria o resultado de falta de iniciativa, falta de uma visão mais ampla das Escrituras, ou seria mesmo só uma questão de ibope?… Outro dia eu estava pensando nas crianças indígenas que precisam ser preparadas para o contato com nossa civilização, que será tanto mais complexo quando elas chegarem à idade adulta. Falei isso com alguém e logo veio a pergunta: Mas não há ninguém pensando nisso? Respondi: Não há, mas eu garanto que se a Globo, por exemplo, iniciasse um programa com crianças indígenas, no Brasil, é certo que um número enorme de igrejas e de agências missionárias evangélicas iria correr atrás do assunto e fazer o mesmo…
Ora, o resultado de tudo que se disse acima, é que agências missionárias transculturais que precisam de missionários de carreira e bem preparados, como também as próprias escolas de preparo missionário sério, estão sentindo a falta de obreiros, estão sentindo a falta de candidatos. Com isso, trabalhos transculturais estão sendo prejudicados, o sustento dos missionários de campo tem diminuído, tanto quanto tem sido difícil mantê-lo e o número de missionários de carreira convocados é quase ínfimo, diante da convocação em massa de missionários temporários e de voluntários em missões. A pergunta é: Por que descurar de uma atividade missionária para incrementar outra? Não poderíamos fazer ambas as coisas ao mesmo tempo, com o mesmo enfoque e com a mesma intensidade?
Fazer missões é fazer missão no mundo todo, para todas as pessoas, independente de raça, cor, status social, poder aquisitivo, classe social ou de se considerar as pessoas integradas ou não à sociedade. Afinal, os bons cidadãos, as pessoas de bem, a classe média e os mais abastados (aqueles que levam a carga do desenvolvimento de seus países, que fabricam roupas pra gente vestir, comida pra gente comer, etc.), como bem todas as pessoas integradas em todas as nações e minorias étnicas do mundo, têm o direito de ouvir o evangelho da mesma forma que os pobres, os flagelados e aqueles que estão, como dizem, em situação de risco.
A IGREJA E A GRANDE COMISSÃO
Que a Grande Comissão foi dada à igreja, é ponto pacífico. Porém, tal qual a chamada geral, a Grande Comissão pressupõe que a igreja é composta por pessoas dotadas. Pessoas que receberam, cada uma delas, os seus dons espirituais através dos quais servir a Deus, tanto quanto pressupõe também o envio de missionários.
Em Atos 1.8, por exemplo, “Mas recebereispoder quando o Espírito Santo descer sobre vós; e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra.”, a parte sobre receber o poder do Espírito Santo e a incumbência de ser testemunha de Jesus Cristo, se aplica a todos, tanto aos que ficam em Jerusalém como aos que vão para a Judéia, Samaria e Confins da Terra. Mas, o deslocamento geográfico, a partir de Jerusalém, ou mesmo da Judéia e Samaria, não tem como se aplicar a todos indistintamente. Não dá para a igreja mandar toda a sua membresia para os confins da terra. Ela só pode fazer isso através do envio de missionários.
Quando a igreja de Antioquia enviou Paulo e Barnabé para os gentios, por exemplo, ela estava cumprindo essa parte da Grande Comissão indo aos “gentios de longe” nas pessoas daqueles dois missionários.
Em Mateus 28.19,20 temos, em complementação, a tarefa de “fazer discípulos” tarefa essa expressa nas palavras de Jesus: “ensinando-lhes a obedecer a todas as coisas que vos ordenei;’”. Ora, fazer discípulos implica em dom de ensinar.
Se tomarmos 2Timóteo 2.2, a tarefa fica um tanto mais específica, porque o discipulador, ali, está sendo incumbido de ensinar outros que tenham também o dom de ensinar outros, formando, assim, uma cadeia de pessoas com dom de ensino: “O que ouviste de mim, diante de muitas testemunhas, transmite a homens fiéis e aptos para também ensinarem a outros’” Essa conjuntura, implica, no mínimo, que o missionário é um que precisa ter o dom de ensino.
Em outras palavras, uma igreja que não leva em conta os dons espirituais de sua membresia e não exerce a prática de enviar missionários, não tem como cumprir a Grande Comissão.
Em nossa experiência como casal, no campo missionário, Gudrun e eu, aprendemos logo quais eram os dons que cada um tinha e os que não tinha. Gudrun tinha muitos dons que eu não tinha e vice-versa.
Ela não tinha jeito algum para ensinar e discipular, mas ensinou muitas irmãs Xerente a ler e escrever em sua própria língua como também cuidou dos enfermos com sua profissão de enfermeira. Eu costumava brincar com ela dizendo: Um missionário não precisa saber nada de enfermagem, basta ele se casar com uma enfermeira. Ela retrucava: Uma missionária não precisa saber nada de Linguística, basta ela se casar com um linguista. Assim, juntamos nossos dons e deu para fazer o trabalho, pela graça de Deus.
SITUAÇÕES EM QUE UMA CHAMADA ESPECÍFICA E UM TREINAMENTO ADEQUADO SE FAZEM NECESSÁRIOS
Quando se fala de chamada específica, não se está falando necessariamente em missões no Exterior, missões nos Sertões do Brasil, missões longe de casa, etc. A chamada pode ser bem doméstica, dentro dos contornos da igreja. Chamada específica é para se trabalhar com pessoas específicas, grupos específicos, situações específicas, seja perto, seja longe. Deixem-me descrever as várias situações onde uma chamada específica, acompanhada de seus respectivos dons e de um treinamento apropriado, se faz necessária:
Transpondo barreiras geográficas, linguísticas e culturais, com povos de línguas ágrafas – Indígenas do Brasil e demais grupos étnicos minoritários ao redor do mundo;
Transpondo barreiras geográficas, linguísticas e culturais, com povos escolarizados – Trabalhos no Exterior em qualquer um dos países conhecidos;
Transpondo barreiras geográficas, no Brasil, e enfrentando diferenças regionais em termos de língua e costumes – Ribeirinhos do Amazonas, Quilombolas,
Comunidade de Pescadores, certas comunidades sertanejas mais isoladas e até municípios menos evangelizados;
Transpondo barreiras de herança histórico/cultural/religiosa tradicionais – Imigrantes estrangeiros como japoneses, italianos, pomeranos, judeus, árabes ciganos e outros (entre os ciganos os missionários estão também traduzindo a Bíblia para a língua Calon);
Transpondo barreiras religiosas radicais – comunidades espíritas, esotéricas, católicas tradicionais e outras;
Transpondo barreiras de experiência de vida e de “mundos” inteiramente diferenciados – Pessoas portadoras de necessidades especiais como surdos, autistas, pessoas com síndrome de Down e outros;
Transpondo barreiras de desvio de comportamento social – dependentes químicos, alcoólatras, presidiários e outros;
Transpondo barreiras de classes sociais e profissionais – artistas de rádio e televisão, profissionais liberais, desportistas, estudantes, empresários, militares, favelados, meninos de rua e outros;
Transpondo barreiras de faixas etárias – crianças, adolescente, jovens, adultos, idosos.
Agora, se você quer evangelizar sua família, seus vizinhos, seus colegas de classe, seus colegas de trabalho, as pessoas da cidade com as quais você tem livre comunicação, você não precisa de uma chamada específica. Você já está chamado e convocado para isso, a partir da sua conversão. Para melhorar sua proficiência, talvez fosse bom ler algum tratado de “como ganhar pessoas para Cristo”, por exemplo, ou fazer um curso de Discipulado, assistir alguma conferência ou encontro sobre o assunto, etc. Mas, fique atento. Se você se sair bem no evangelismo caseiro é “perigoso” que o Senhor o chame, de forma específica, para um trabalho mais definido em sua seara. Deus não costuma chamar aqueles que não estão fazendo nada. Ele sempre chama pessoas ocupadas e aquelas que já demonstraram interesse pela promoção do seu reino aqui na terra.
Não tenha, entretanto, complexo, por não ter sido chamado para ser missionário. Nem pense que você, sendo fiel ao seu dom e servindo a Deus de coração no contexto de sua igreja, no contexto da sua profissão, na sua comunidade, é menor do que os missionários. Deus não olha o homem pelo lado de fora ele olha pelo lado de dentro. “o homem olha para a aparência, mas o SENHOR, para o coração (1Samuel 16.7c). Aqueles que servem ao Senhor, fielmente, no lugar onde Deus os colocou, seja perto ou longe, terão todos o mesmo galardão: “Quem concordaria com isso? A parte dos que ficaram com a bagagem será a mesma dos que foram lutar; todos receberão partes iguais”. (1Samuel 30.24)
No Velho Testamento, nem todos podiam ser sacerdotes, levitas, profetas e reis. Mas o número de destacados entre os fies, é enorme. É fácil vir à mente nomes como Abel, Enoque, o próprio Noé, Ló, Ana, Rute, a moabita, e Raabe, a meretriz, que acabaram entrando na lista dos antepassados na genealogia de Cristo, Ester, e tantos outros mais. No Novo Testamento, também a lista é grande: Os irmãos Maria, Marta e Lázaro, Nicodemos e José de Arimateia, Dorcas, Priscila e Áquila e os demais da enorme lista de Paulo no capítulos 16 de Romanos: Febe, Epêneto, Maria, Andrônico e Júnias, Amplíato, Urbano, Estáquis, Apeles, Aristóbulo, Herodião, Narciso, Trífena e Trífosa, Pérsides, Rufo, Asíncrito, Flegonte, Hermes, Pátrobas, Filólogo, Júlia, Nereu e Olimpas. Todos esses serviram a Deus com seus dons, bens e talentos e foram tão honrados como os especificamente chamados tanto no Velho Testamento como no Novo.
Além disso, é preciso considerar que nem todos os que são chamados, são chamados para ser missionário. Há muitas outras chamadas. Chamada para pastor, chamada para evangelista, para professor, para ministro de musica, etc. A regra é que “todos os missionários são chamados, mas nem todos os chamados são missionários”. Eu costumo dizer, em minhas palestras sobre Vocação e Chamada, que o elemento chamado de modo específico, tem, na verdade, duas chamadas: Uma que acontece no tempo eterno, quando ele está ainda no ventre materno (ou antes), e outra que acontece no tempo e no espaço, como foram os testemunhos de Jeremias e Paulo, por exemplos, conforme os versículos já citados de Jeremias 1.5 e Gálatas 1.15,16.
Se o Senhor, contudo, o chamar, não tenha medo nem diga que não tem dom ou capacidade. Essa é a parte que cabe a ele. Também não precisa ter reserva de ir colaborar em qualquer campo missionário mesmo que seja por pouco tempo, conquanto que seja para fazer aquilo para o qual você tem certeza de que tem os dons apropriados. Lembro-me de uma moça que passou apenas algumas semanas entre os Xerente trabalhando com as crianças de lá. Ela era tão dotada para isso que as crianças da aldeia e até mesmo os adultos nunca mais se esqueceram dela.
Para concluir, veja, a seguir, como Deus chama os seus escolhidos e como é Ele quem se responsabiliza pela chamada, tanto quanto se responsabiliza pelo seu êxito e sua realização.
AS CARACTERÍSTICAS DA VOCAÇÃO E CHAMADA ESPECÍFICA
Nominal:
Quando Deus chama uma pessoa para um fim especial, ele costuma chamar sempre pelo nome, de modo inconfundível, e não admite substitutos. Quando Deus chama Abraão, Ló não serve; quando chama Jacó, Esaú não serve; quando chama Moisés, Arão não serve; quando chama Samuel, Eli não serve; quando chama Davi, Saul não serve; quando Deus chamou Barnabé e Saulo, na igreja de Antioquia, mesmo que a igreja fosse procurar outros, dos muitos bons que havia lá, não serviriam.
Específica:
Quando Deus chama alguém, ele diz por quê. Nem sempre ele diz o lugar, mas o motivo da chamada fica sempre bem claro. Deus chamou Abraão para ser o pai de uma grande nação; chamou Moisés para tirar o povo de Israel da escravidão do Egito; chamou Davi, para ser o rei de Israel, e assim por diante.
Soberana:
Deus chama quem ele quer. O esperado, segundo a cultura de Israel, seria Deus chamar Esaú, já que ele era o primogênito, mas Deus chamou Jacó. “…o mais velho servirá ao mais moço”. (Gênesis 25.23c). Quando Jesus subiu ao monte para orar e escolher, em seguida, os seus doze apóstolos, ele chamou, para subirem com ele, os que ele mesmo quis. (Marcos 3.13)
Coerente:
Coerente com os dons espirituais, com as habilidades pessoais, com a função no corpo de Cristo. “Não deixes de desenvolver o dom que há em ti, que te foi dado por profecia, com a imposição das mãos dos presbíteros” (1Timóteo 4.14)
Auto capacitadora:
Moisés: (Êxodo 3.10-12; 4.10-12) “… Eu nunca fui bom orador…” (4.10b) “… Respondeu-lhe o SENHOR: Quem fez a boca do homem?…” (4.11a) “… Certamente eu serei contigo… ” (3.12a)
Gideão: (Juízes 6.11-16) “Então o anjo do SENHOR apareceu a Gideão e disse: O SENHOR está contigo, homem valente.” (v.12) “… Ah, meu senhor, com que livrarei Israel? A minha família é a mais pobre em Manassés, e eu sou o menor na casa de meu pai.” (v.15). “O SENHOR virou-se para ele e lhe disse: Vai nesta tua força e livra Israel das mãos dos midianitas. Não sou eu que estou te enviando?” (v.14)
Jeremias: “Então eu disse: Ah, SENHOR Deus! Eu não sei falar, pois sou apenas um menino. Mas o SENHOR me respondeu: Não digas: Sou apenas um menino; porque irás a todos a quem eu te enviar e falarás tudo quanto eu te ordenar” (Jeremias 1.5-7)
Paulo: “Não que sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se viesse de nós mesmos, mas a nossa capacidade vem de Deus.” (2Coríntios 3.5)
A vitória, pois, é nossa! Deus pôs um Estandarte na mão dos chamados: “EU SEREI CONTIGO”!
Que o Senhor o abençoe em sua decisão!
Nota: Os textos bíblicos citados nesse artigo são da versão “A Bíblia Sagrada Almeida Século 21”
Por Rinaldo de Mattos